"Você mulher, mãe, que teve uma cesariana (necessária ou não) quando teve seu(s)
bebê(s), antes de mais nada queria lembrar que você é uma mãe maravilhosa,
competente, amorosa e tão boa quanto qualquer outra mãe boa. A via de parto não
nos faz mais ou menos mães, mais ou menos mulheres, mais ou menos seres
humanos. Eu tive uma cesariana há 15 anos, um parto normal há 12 anos, e me
considero uma mãe boa o suficiente para ambos. E não amo um mais que outro.
Mas minha amiga, quando você ler uma mulher dizendo “O parto normal me fez mais mulher” ela não está dizendo que a tua cesárea te faz “menos mulher”. Ela quer dizer que o parto fez ela se sentir mais mulher do que ela se sentia antes, ou de que ela se sentia se ela tivesse feito uma cesariana. Ela não está criticando você ou as suas escolhas. Ela está comemorando suas próprias conquistas, só isso!Quando ela diz “quando eu dei à luz, eu me senti muito mulher, muito feminina, muito poderosa” ela não está dizendo que a gente, por ter feito cesariana, é menos mulher, menos feminina, menos poderosa. Ela está falando só dela, não da gente, entendeu?
Concordo que se ela entrar em qualquer terreno seu, e se dirigir a você como uma pessoa inferior, daí não tem jeito mesmo, a pessoa está sendo estúpida. Mas em geral não é isso que a gente vê. Eu não costumo ver mulheres “cesareadas” como nós, sendo acusadas de sermos mães de pior qualidade. A cesariana no Brasil já é uma realidade, eu e você fazemos parte da maioria esmagadora! Ela, a sua amiga que quis e/ou teve um parto bacana, ela é pequena minoria e apenas está feliz por ter conseguido atingir seu sonho.
Todos esses movimentos que a mulherada está fazendo pelo direito ao parto natural, direito ao parto em casa, não dizem respeito a você e às suas escolhas. Elas dizem respeito a elas! Em nenhum cartaz ou fala você verá escrito “Proíbam as cesarianas, proíbam as escolhas pelas cesarianas, proíbam as mulheres de optarem pelas cesarianas, não queremos mais cesáreas que salvem vidas“. Essas mulheres querem que todas as mulheres tenham a chance de experimentar o que elas viveram, caso elas assim o desejem. Nunca ninguém desejou que o parto normal, ou natural, ou domiciliar, venha a ser algo obrigatório.
Por outro lado, uma coisa é certa: quando essas mulheres “xiitas” veem um relato de cesariana onde a mãe disse que fez a cirurgia salvadora porque tinha pouco líquido, ou cordão no pescoço, ou pé na costela, elas comentam mesmo, elas falam que isso não é indicação de cesariana. Você também chiaria se alguém fosse fazer uma cirurgia de varizes preventiva porque um dia vai que aparece uma variz, então é melhor operar. Cirurgias desnecessárias são uma questão importante em termos de saúde pública.
Só que, amiga, entenda, ela não está dizendo que você é uma mãe inferior! Ela está dizendo que seu médico fez uma cirurgia que não era necessária, só isso. Em nenhum momento ela está te julgando incompetente por ter aceitado a cirurgia proposta pelo seu médico, ainda mais com essa ameaça de que o bebê vai morrer ou sofrer. Em outras palavras, ela apenas está dizendo que sua cesariana não teria sido feita em nenhum país onde a saúde é levada a sério. Só no Brasil se opera com essas desculpas, e daí chegamos nos 94% do Santa Joana, por exemplo. A questão é de população, não de você.
Via de parto é apenas isso: via de parto. Não diz nada de qualidade de maternagem. Suas amigas “xiitas do parto natural” sabem que você é uma boa mãe. E também sabem que o parto normal não garante uma boa mãe (e vice versa). Não se ofenda quando você ler um post no perfil da sua amiga dizendo: “Eu quero ter direito à escolha“. Ela está falando apenas dela, e não de você.
Quando você se sentir enraivecida com essas notícias, posts e matérias sobre parto normal, natural etc., olhe para dentro de você e tente entender porque é que você ficou tão brava, tão chateada, tão mexida. Eu já fiz esse exercício diversas vezes e descobri coisas incríveis. Não perca essa oportunidade.
Palavra de Parteira.
*Ana Cristina Duarte é obstetriz, ativista do movimento de Humanização do Parto e mãe de Julia e Henrique."
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