“Quando digo que pari em casa, naturalmente, sem
anestesia ou intervenções, escuto sempre a mesma frase: "Você é
corajosa!" Pois bem, venho dizer a todos que não precisa de coragem para
parir. Talvez seja necessária coragem para enfrentar uma cirurgia, desnecessariamente.
Para parir, não. Pra parir a gente só precisa de entrega. De autoconhecimento.
Esquecer as falácias e lendas sobre o parto. Só precisa confiar no corpo que
soube gestar, no corpo que alimentou, cuidou e protegeu a cria por nove meses.
A dor do parto jamais me amedrontou. Acredito que,
se respeitada em sua fisiologia, cada mulher terá o parto que precisa ter.
Rápido ou longo. Tranquilo, orgasmático ou desesperador. A dor vem na medida da
nossa necessidade. Eu senti muita dor. Quase 10 horas de bolsa rota. Mas aquela
dor me transformou. O trabalho de parto me fez entrar em harmonia com uma
mulher que a sociedade moderna me fez esconder. O excesso de tecnologia, as
exigências exacerbadas, as verdades que nos vendem prontas em um mundo machista
nos fazem perder o contato com o nosso feminino.Perdemos nossa intuição, nossa
sensibilidade, nosso poder. Mas o parto me reconectou com a mulher primitiva
que vivia em mim, me ligou aos meus instintos mais animais e íntimos. Senti meu
corpo se abir. A medida que meu corpo se abria, minha feminilidade se aflorava.
Ah, como doía. Dor de vida, dor de transformação, dor de amor. Nada de
sofrimento. Dor e sofrimento não são sinônimos.Aquela dor me mostrava do que
sou capaz. Me mostrava o quanto sou forte. Me dizia que minha cria estava
chegando, vibrante, saudável. Nos colocava juntos em nossa primeira jornada
como seres separados.
Não precisei de coragem para viver o dia mais
mágico de minha existência. Um dia suspenso no tempo e espaço. Um dia que não
teve horários, gente, mundo exterior. Um dia apenas nosso. Olhei meu filho nos
olhos assim que chegou a esse mundo. Segurei em meus braços, pus em meu seio.
Senti o cheiro do vernix, a pulsação do cordão que nos ligava. Beijei os
cabelos negros. Não trocaria esse momento por nada nesse mundo. Precisava estar
lúcida para gravar aquele primeiro olhar em minha memória, para sempre.
Precisava dos meus braços livres e o meu corpo desimpedido para envolvê-lo no
nosso primeiro abraço. Precisava estar transbordando ocitocina para recebê-lo
com cheiro de amor. Não precisa de coragem para viver algo tão rico e natural.
Não há o que temer. A mulher parida encontra em si
uma força sobrenatural. Descobre que a carapuça de sexo frágil não lhe cabe.
Que a passividade não lhe define. Saímos de um parto, se natural e respeitoso,
conscientes de todo o legado que nossas ancestrais nos deixaram. Descobrimos
que cada pedaço de nosso corpo vibra, sente e se harmoniza com o universo.
Descobrimos que somos lobas, leoas. Com minha cria em meu braços percebi que
era capaz de ir muito além do que considerava serem meus limites.
Coragem eu precisaria para receber meu filho em uma
sala fria, cheia de gente estranha. Coragem eu precisaria para viver a chegada
do meu novo ser de forma passiva, imobilizada em uma cama. Coragem eu
precisaria para não recebê-lo nos braços. Coragem eu precisaria para violentar
meu corpo com cortes profundos, desnecessariamente. Coragem eu precisaria para
me deixar anestesiar. Coragem eu precisaria para permitir que arrancassem meu
filho de mim. Coragem eu precisaria para perder toda a magia que vivi. Pra parir
precisei apenas de respeito e amor.”
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