"Antes de mais nada, preciso pontuar cinco idéias
rápidas: primeiro, entendo que a cesariana por escolha é um direito da mulher,
ela tem direito e ela pode fazer e pronto. Segundo, a via de parto e a
amamentação não definem a qualidade da mãe ou da maternagem. Terceiro, o
objetivo dessa conversa não é trazer culpa a quem escolheu ou vai escolher, mas
sim conhecimento para quem quiser entender essas opções. Quarto, algumas
cesarianas são necessárias e paciência, não há o que se fazer, pois a vida da
criança é mais importante. Quinto, a maioria das cesarianas indicadas nos
serviços privados de saúde são sob falsas alegações, mas não tem como a mãe
saber disso.
1) Uma das maiores razões para as mulheres escolherem a cesariana é a questão
da dor. Deixando de lado todo o resto, acho que esse ponto é mesmo nevrálgico e
merece uma atenção especial. Como o objetivo aqui é ser curta (e não grossa),
lembro que hoje em dia existem analgesias muito boas que podem ser usadas a
qualquer momento que a mulher deseje. Se quiser ter um trabalho de parto
inteiro sem sentir nada (o que seria uma pena, mas é um direito e às vezes a
única maneira de enfrentar o medo da dor), exija a presença de um bom
anestesista. Fora isso, lembre-se que as coisas começam a ficar intensas mesmo
depois da metade do trabalho de parto. Antes disso são apenas umas cólicas
rápidas e curtas, perfeitamente suportáveis. A vantagem é que quando o parto
acabar, você não está operada. Você levanta e vai cuidar da vida sem qualquer
preocupação com uma cirurgia. Claro que você pode levantar e cuidar da vida após
a cesariana. [Além disso existem métodos não farmacológicos de alívio de dor,
massagens, posições, acupuntura, água quente do chuveiro na lombar (ou de uma
banheira), estar se sentindo apoiada, segura e acolhida, tudo isso contribui
para que a dor seja menor, a presença de uma doula pode ajudar]
2) Outra razão comum é achar que o bebê corre menos risco na cesariana. Já
existem tantos estudos científicos mostrando o quanto é maior o risco da
cesariana para o bebê, que não vou poder enumerar aqui. Se você está na dúvida
e só falta essa questão para escolher um parto normal, informe-se. A quantidade
de vantagens para o bebê no parto normal é provada em todos os artigos, sem
exceção. Não estou dizendo que nada acontece no parto normal, mas sim que muito
mais coisas negativas podem acontecer na cesariana e que, portanto, ela é muito
mais arriscada e menos benéfica para o bebê e para a mãe.
3) Tem gente que pensa que o parto normal é pior para a mãe. Essa informação
não procede. Qualquer livro de medicina deixa isso bem claro. A mortalidade e a
morbidade da cesariana é bem maior para a mãe. Posso atestar que o parto normal
não vai fazer você ficar diferente "lá embaixo". Na dúvida, conheça o
site www.mulheres.org.br/fiqueamigadela. E se estiver ao seu alcance, exija um
parto sem episiotomia.
4) Embora o parto não defina a qualidade da maternagem, e não defina quem vai
ser aquela pessoa, o fato é que há uma grande diferença pra o bebê entre ser
retirado do útero materno sem aviso prévio, sem os hormônios que o preparam
para a vida fora do ventre materno, e permitir que ele passe pelo processo de
forma natural, fisiológica, cumprindo as metas que a natureza selecionou
durante mais de cem mil anos. O parto não é, para o bebê, uma perigosa
tormenta, mas sim um caminho muito previsto e importante para prepará-lo para a
vida. Assim como podemos evitar que bebês engatinhem para não se sujarem,
colocando-os em andadores (que a sociedade brasileira de pediatria já atesta
serem prejudiciais para o desenvolvimento do bebê), e eles não serão pessoas
piores ou infelizes por isso, o fato é que esse tipo de salto não é benéfico e
não tem como calcularmos objetivamente e em números concretos aquilo de que o
bebê está sendo privado. Podemos sempre nos repetir e acreditar que são apenas
minutos ou horas, e que isso não faz diferença na vida nossa ou deles. O melhor
seria, no entanto, que todas nós tivéssemos acesso a um bom parto, para
podermos oferecer aos nossos filhos e a nós mesmas um bom processo de
nascimento. Até mesmo o choro de um bebê retirado de forma repentina e levado
para um berço aquecido para os "procedimentos" é completamente
diferente daquele que nasce devagar, sem pressa, na água, na cama, e é colocado
imediatamente em contato pele-a-pele com sua mãe. Se achamos ruim deixar a
criança chorando sozinha no carrinho "para acostumar", porque seria
normal deixar um recém nascido se debater num berço iluminado cercado por
estranhos que lhe inserem tubos no nariz, na boca, no ânus, e lhe pingam
colírio cáustico e lhe picam a perna com uma injeção oleosa? Porque achamos que
isso não faz qualquer diferença para a construção do indivíduo?
5) Por fim vem a questão mais importante para mim, que é o parto como um
evento, e não como uma obrigação. O parto não é apenas o preço que temos que
pagar para sermos mães de um bebê. Podemos inclusive adotar e sermos mães
adotivas maravilhosas. No entanto o parto pode ser, por si só, um processo
muito bom, divertido, intenso, cheio de momentos incríveis, para toda a
família. Até os irmãos mais velhos podem ajudar e se sentir participantes dessa
festa. O parto é algo que você pode recriar em sua mente, tentando esquecer
aquelas histórias horrorosas que te contaram desde que você nasceu, porque
essas histórias são de um modelo de assistência que não precisa ser utilizado.
Você pode desejar, escolher e exigir um bom parto. Planeje, escolha pessoas
interessantes e um modelo de assistência no qual você acredite. Fuja do
estereótipo da mulher gritando nua na sala com as pernas abertas sob os holofotes
e uma equipe de 12 homens olhando para o meio delas e colocando seus dedos e
ferros nervosos lá dentro. Parto não é isso (ou não deveria ser isso). Existem
opções. Natural ou com analgesia, mas com muito respeito, decência,
privacidade, delicadeza, o parto pode ser um maravilhoso portal para
inaugurarmos a maternidade. Pode ser também uma oportunidade impar para se
superar os limites, para conhecer novas fronteiras. O bom parto não é uma
obrigação. É apenas um direito de toda mulher e de todo bebê.
6) O parto pode ser ou pode não vivenciado. O nascimento vai ocorrer, sempre, e
o bebê vai ser muito amado independente de onde saia. O fato é que no Brasil é
uma escolha que as mulheres têm, parir ou não parir, eis a questão. Você pode,
se quiser, fazer uma escolha diferente e transformar o parto num lindo evento.
Mais ou menos como o casamento, você pode viver com alguém sem qualquer
cerimônia simbólica. O objetivo da cerimônia é mais do que dar trabalho e fazer
a gente gastar um dinheiro enorme, e não é ela que define a qualidade do
casamento. O objetivo é marcar o evento, transformar num dia marcante, porque
os outros que virão estarão repletos de bons e maus momentos, e vai ser
maravilhoso poder voltar naquele dia e lembrar "do dia em que nos casamos".
Claro que ir morar junto, levar a mobília e guardar as escovas de dentes juntos
tem todo um valor simbólico. Afinal foi "o dia em que fomos morar
juntos". Não dá para dizer que é a mesma coisa que fazer uma cerimônia,
essa é a verdade. E nem vai dar para chamar de "Cerimônia do
Casamento" o dia em que pusemos as escovas de dentes no mesmo copo. Quando
abrimos mão de um evento desses, não estamos fadando o resto ao fracasso, não
se trata disso. Apenas estamos perdendo uma grande chance de fazer algo muito
especial. Comparativamente, não vamos chamar de parto o dia em que nos deitamos
para a cirurgia cesariana. No Brasil começamos até a usar o eufemismo
"parto cesáreo", depois que a cesariana virou um produto de consumo
como qualquer outro, para mudar a impressão que a sociedade tem dessa cirurgia.
Até mesmo os médicos obstetras estão usando o eufemismo, evitando eles mesmos
enfrentarem a cruel realidade de que estão operando esse absurdo número de
mulheres todos os anos.
Em suma, você pode e deve exigir seus direitos. Você pode usar mecanismos
legais para garantir o que deseja. Salientando mais uma vez, escolher um parto
normal não vai fazer uma mãe melhor. Apenas vai garantir que o seu bebê passe e
seja recebido no mundo de uma forma diferente. Vai também garantir e permitir
que você conheça novas nuances das possibilidades do seu corpo. Novos limites,
novas possibilidades! E depois tem todo o resto, que também é importante. A
criação, a amamentação, os cuidados, o apego, o carinho, o amor, etc. Você pode
pular apenas uma das etapas e dar o seu melhor em todas as outras. Você pode
não pular a etapa. Você pode ser obrigada a pular etapas, quer por limitações
físicas, quer pela força do sistema médico. Isso não implica em "mãe
melhor e mãe pior". Tenha apenas a certeza de ter e olhar de verdade todas
as cartas no baralho antes de escolher o coringa. Eu tenho certeza que você já
é ou será uma ótima mãe. Mas não é disso que estamos falando, combinado?"
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