"Querida
Amiga: saber da sua gravidez só me trouxe alegrias. Na verdade muitas alegrias
e uma preocupação. Um dia o bebê vai nascer e eu temo pela qualidade desse
nascimento, em tudo o que não depende de você e de sua vontade. Por isso eu
queria aqui te contar porque é que você dificilmente escapará de uma
cesarianam, ainda que deseje ardentemente um parto natural/normal.
Bola
de cristal? Imagina, você que pensa! Curso básico de estatística, terceiro ano
colegial, lembra?
Primeiro
vamos aos fatos. - A imensa maioria dos hospitais privados em nosso estado, em
nossa cidade, têm por volta de 90 a 95% de cesarianas.- Tem três pesquisas
científicas muito bacanas mostrando que 70% das mulheres querem parto normal. -
E temos a Organização Mundial da Saúde dizendo que apenas 15% das mulheres
precisam de cesárea.
Em
algum momento, entre o começo do pré natal e o parto, as mulheres acabam na
cesárea, não precisando e não desejando.
Por
outro lado, vamos ao plano de saúde.
- Um
médico de plano ganha por volta de 300 a 500 reais para realizar um parto.
-
Supondo que ele esteja de plantão no dia e tenha que chamar um substituto para cobrir
o plantão, ele vai pagar R$ 600 a R$ 800 para o substituto. Então ele já perdeu
uns 200 a 500 reais para te atender.
- Se
ele deixar de atender 6 horas de consultório por sua causa, são por volta de 20
consultas de 40 reais, assim por baixo. R$ 800 de prejuízo, no mínimo.
- Se
ele tiver que pegar a estrada, pagar pedágio e chamar uma babá para dar conta
das crianças, são R$ 300 reais.
-
Portanto o fato é que parto normal, para os médicos de convênio, representa um
prejuízo financeiro enorme.
E por
fim, vamos à terceira questão. Eu chamo isso de "Fator Varella".
Disse Drauzio Varella certa vez em entrevista à Revista Claudia:- Parto normal
é muito chato. É muito mais fácil botar a mulher na maca e "Pumba!"
fazer uma cesárea.
O fato
é que muitos obstetras não querem mais atender partos normais. Fizeram tantas
cesarianas que perderam a paciência e a mão. Sem essa vivência diária do parto
normal, perde a capacidade de achar soluções e operam como solução para
qualquer problema. Assim, acham que passar de 40 semanas, bebê grande, bebê de
costas, bebê alto, tudo é indicação de cesariana. E a maioria das obstetras
optou por cesáreas, para si e para suas parentes. Idem para os obstetras
homens, em relação à suas mulheres. Portanto é claro que não irão fazer para
você algo que consideram "pior" ou "mais arriscado".
Às
vezes o médico tem um discurso maravilhoso, e até acho que pode ter boa fé. Mas
no fim, com a barriga crescendo, a pressão do convênio, da rotina, da vida
doméstica, e o imenso prejuízo financeiro que ele certamente vai levar
atendendo seu parto, tudo isso vai fazer com que ele não tenha outra saída a
não ser pedir um ultrasom com 37 semanas e descartar seu parto porque o bebê
está grande/pequeno, você está gorda/magra, o líquido ficou muito/pouco, etc..
E sua cesárea será marcada, junto com outras 2 ou 3 clientes, para facilitar a
vida nada fácil que ele leva.
Eu não
acho que seja sacanagem dele. Acho que ele é apenas mais um elo enferrujado de
uma corrente que não nos serve mais. Não tenho soluções fáceis para você, nem
sequer garantias. Só queria que você entendesse que a sua vontade, frente a
essa imensa engrenagem que são os planos de saúde, os hospitais particulares,
os médicos cansados e sobrecarregados, não vai representar muito, na hora da
decisão. A nossa vontade fica tão menor do que tudo isso, que ela não consegue
fazer a roda da engrenagem girar no sentido contrário.
Seria
preciso muito mais do que desejo. Se quiser qualquer ajuda para achar as
saídas, as rachaduras do sistema, me fala, que eu vou gostar muito de te
ajudar. E se decidir marcar sua cesárea, faça-o sem o famigerado sentimento de
culpa, que em nada nos ajuda. Entenda os riscos, minimize-os o tanto quanto
seja possível, e pronto.
A
maternidade não se resume ao parto, nem é definida pelo parto, assim como um
casamento não se resume à cerimônia, nem por ela é definido. Eles são os
portais, e como tal, tem sua importância. O que se perde num nascimento de
qualidade, nós podemos recuperar ao longo da vida. Cada um de nós sabe até onde
consegue ir, quais leões gostaria de matar por um nascimento suave, respeitoso,
delicado, amoroso, silencioso.
Vá até
onde você deseja e saiba que estou ao seu lado, sempre.
Ana Cristina Duarte obstetriz
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